quinta-feira, 24 de abril de 2008

Pardal DaDa Attack







A Fantástica Fábrica de Brinquedos
As invenções do Professor Pardal DaDa Attack, um produtor de mão cheia. DaDa Attack, aka Saulo Pais, é um irrequieto multiartista paulistano, anárquico e amante de eletrônica, além de ser um produtor de mão cheia
Tatuapé, antigo bairro operário da zona Leste de São Paulo e lar de um professor Pardal com carteirinha e pós-graduação em brinquedos modificados para gerar sons diferentes. Foi nesse laboratório que a DJ MAG Brasil foi parar para conhecer melhor o homem por trás dos tecladinhos de Barbie e vocoders comprados no eBay. Com vocês, Saulo Pais, aka DaDa Attack.
“O nome DaDa Attack surgiu em 2005, quando fui para a Europa e mochilei por mais de 12 países durante alguns meses. Ele apareceu para mim como um ataque nonsense, uma quebra de barreiras e desapego do estabelecido. Tem a ver com o dadaísmo, claro, a primeira forma de arte pela qual me interessei quando fui a uma exposição com a escola, com uns oito anos.”
“Uau! É a DaDa-Caverna!”, exclamo ao chegar à casa-estúdio-escritório-ateliê do produtor. A fachada do sobrado é decorada com imensas chapas de metal e tem um asterisco gigante pintado na frente. DaDa — além de produtor, mago do circuit bending, diretor de arte, artista plástico e cenógrafo — é arquiteto. Dentro da casa, dezenas de quadros pelas paredes, uns pintados a óleo, outros impressos direto do computador em tela, mesas com formas orgânicas desenhadas pelo próprio, sobras de cenografia dos tempos em que ele trabalhava com isso na TV Cultura e na Nickelodeon. Subimos um lance de escada e damos no QG da fantástica fábrica de brinquedos de DaDa Attack. Ele começa a mostrar sua coleção: um Casiotone com knobs que parecem tachinhas de uma jaqueta punk e um dial enorme no canto esquerdo; uma drum machine Alesis HR16B, de 1989, totalmente customizada, com dezenas de chaves que a deixam com o jeitão de um porco-espinho robô; um Speak & Spell, brinquedinho para criança aprender a soletrar, também cheio de botões que distorcem os sons. Tudo isso em meio a uma parafernália vintage que vai de um vocoder Korg e microfones da década de 50 a um órgão pneumático da antiga marca de brinquedos Atma.
Enquanto tento entender como funciona um seqüenciador analógico a manivela que o próprio DaDa montou, ele tira displicentemente da estante algo que eu até hoje só tinha visto num clipe antigo do Kraftwerk: um legítimo Stylophone, um sintetizador de bolso de 40 anos de idade que é tocado com uma canetinha. Me controlo para não embolsá-lo e sair correndo.
Saulo começou a brincar com a arte de entortar circuitos antes mesmo de conhecer o termo e o movimento por trás dele. “Desde criança eu adorava abrir rádios e equipamentos e ficar vendo aquelas coisas coloridas, os ‘predinhos’, como eu chamava os transistores e placas de circuitos integrados. Quando comecei a mexer com música, queria muito comprar sintetizadores, samplers… mas não tinha grana para isso. Daí comecei a comprar esses aparelhinhos e fuçar na internet para descobrir maneiras de tirar um som original deles. Acabei fazendo circuit bending antes de saber que esse era o nome da coisa.”









Circuit bending é um termo cunhado por Reed Ghazala, o papa do movimento, para audio hacks de equipamentos eletrônicos de baixa voltagem: rádios, brinquedos eletrônicos e coisas do gênero. Ele inventou o termo em 1966 e já forneceu equipamentos para músicos como Tom Waits, King Krimson e os Rolling Stones. Saulo é fã de carteirinha de Ghazala e recomenda seu livro Circuit-Bending: Build Your Own Alien Instruments como leitura básica para quem quer entrar nessa. “Em uma época que os equipamentos de música eletrônica eram do tamanho de uma sala e restritos a cientistas em universidades, o Reed descobriu que pegando um radinho de pilha, soldando alguns circuitos e colocando pedaços de papel alumínio no case esburacado, você podia fazer seu próprio sintetizador caseiro”, conta.
Contra tudo Para provar que é um verdadeiro discípulo do velho hacker hippie, DaDa pega um tecladinho da Barbie (“Você não vai contar que eu tenho isso, né?”) e abre. Cata um fio com duas pinças tipo jacaré e espeta em um circuito. Daí começa a procurar outro fio enquanto vai apertando uma tecla, até o som se distorcer. “Circuit bending é isso. Fazer o equipamento produzir um som alterando as regras estabelecidas. Não é preciso curso de eletrônica, até porque o que a gente faz é ir contra tudo o que se aprende nesses cursos. O mais comum é o equipamento ter apenas um resistor, que diz ‘Aqui vai passar só isso de energia’. Aí você liga direto os componentes e abre totalmente. Encostando o dedo você já altera o som e, se quiser, pode soldar um contato pra transformar em algo mais fácil de operar. Ou então, em vez de um resistor liga/desliga, você põe um potenciômetro, um knob que controla o som.”

O primeiro equipamento que DaDa alterou foi um brinquedo para bebês com sons de bichos da fazenda. “Ele fazia barulho de patinho, de vaquinha… Tinha uns botõezinhos embaixo e era muito fácil de mexer. Você abre, tem um resistor, aí é só pôr a mão e o pitch baixa, então a galinha em vez de fazer ‘Có có’, faz ‘Cuoooouuuuuummmm’.” Hoje ele modifica equipamentos para os produtores amigos. Gui Boratto já mandou um Korg Poly 800 para ele entortar. “O Poly tem umas funções internas para afinar o synth. Peguei as partes e fiz um controle com seis knobs. Fiz um para os caras do Click Box também, e o Dudu Marote e o Xerxes estão na fila. Mas não vendo minhas máquinas mexidas, só faço isso para os amigos.”
DaDa entrou cedo pra vida musical, como DJ. “Comecei fazendo bailinho com 12 anos. Toquei em casamento, toquei em tudo quanto foi roubada. Depois comecei a fazer música no PC usando programas bem toscos, que era o que tinha na época, uma coisa de juntar loops prontos e ficar misturando. Aí percebi que precisava fazer um cursinho, e fiz um curso de produção com o Ramilson Maia e com os Drumagick, bem curtinho, que abriu um pouco minha visão.” Logo após o curso, ele conseguiu emplacar uma música, “Shadow”, numa coletânea da antiga revista de música eletrônica DJ World. “Um drum’n’bass dark, dos mais sinistros, cheio de gritos e sintetizadores obscuros. Era uma outra fase...”, ri o produtor.
Ra to de leilão “Chegou um ponto em que eu fazia minhas músicas mas ficava insatisfeito com o som de software delas. Queria ter um synth, uma drum machine de verdade, mas era tudo muito caro. Aí descobri o eBay e virei um rato de leilão. Passo horas acompanhando e procurando tralhas no eBay. Já comprei coisas bem baratas, como aquele vocoder Korg, que eu paguei US$ 400. Hoje você só encontra por US$ 2.000 e olhe lá. Às vezes fico meses procurando um equipamento, e quando acho tenho que disputar com gente do mundo inteiro. Virou um vício.”
DaDa acha que essa procura pelo som diferente é que está impulsionando o revival do circuit bending. “A novidade do sintetizador via software já passou. Agora qualquer moleque consegue baixar programas e samples da rede e fazer suas músicas sem precisar de nada mais que um PC comum. Os festivais de bending estão bombando lá fora e atraem não só os produtores mas todo mundo que gosta de hackear equipamentos, até crianças. O lado ruim é que um Speak & Spell que eu comprava por US$ 1 hoje custa US$ 20 no eBay. Receitas de como modificar você encontra aos montes na rede, mas não acho legal pegar o que tem na internet e reproduzir. Senão, daqui a pouco todo mundo vai ter o mesmo som de novo.”
o som de DaDa Attack? Dá para classificar? Fui na primeira apresentação de seu novo live PA e posso dizer que é uma tarefa difícil. Você pode ouvir minimal, electro, house e até um remix de B-52’s no intervalo de alguns minutos. Dá para encaixar DaDa no chavão do “experimental”, mas só para poder categorizar. Melhor mesmo é ir até a página do homem no MySpace e tirar suas próprias conclusões. O equipamento básico de DaDa é um MacBook rodando o Ableton Live e um controlador e interface de áudio (Korg Zero8, que ele não troca por Monome ou Lemure nenhum). “Minhas músicas têm de quatro a seis canais, vou mixando ao vivo e fazendo umas intervenções com os brinquedos. Sempre levo a Alesis porque ela tem Midi e posso disparar umas seqüências sincronizadas com o MacBook.”
Este é o ano do rato no horóscopo chinês: um ano propício para grandes projetos. DaDa, pelo jeito, tem um pé na cozinha chinesa em 2008. Largou a arquitetura e decidiu se dedicar integralmente à produção musical. Seu próximo passo será integrar a experiência visual ao trabalho de produtor. “Trabalhei como cenógrafo e quero juntar a música com aquela experiência toda. Adorei que a última versão do Ableton tem uma janela de vídeo. Ainda é bem básica, mas já dá para começar a brincar, colocar filminhos que disparam de acordo com o que está sendo tocado.” Caso dê certo, DaDa promete trazer para o vídeo a mesma inovação e inteligência que mostra em sua música. E ainda vai poder cobrar dois cachês por apresentação!

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