quinta-feira, 5 de junho de 2008

Psytrance: do underground ao mainstream




Era uma vez um estilo musical despontando no Brasil. Estamos em meados da década de 90 e o estilo é o psytrance, trazido de outros países como Inglaterra, Alemanha e Índia, que também estavam descobrindo essa vertente há pouco tempo. A cena ainda é experimental e totalmente underground. Com poucas festas pequenas para amigos, é alternativa à cultura vigente da época.Os precursores da cena no país enfrentaram incontáveis dificuldades, até naturais para tudo o que é novo e inovador, na medida em que faziam acontecer o novo estilo. Flyers escritos à mão, equipamentos emprestados, decorações feitas de panos coloridos trazidos de casa - só para citar algumas das precariedades dessa época - formavam o cenário das primeiras festas. Era apenas o começo. Dmitri, André Meyer, Rica Amaral e Feio, Milton e Nena e alguns outros nomes importantes para a implantação da cultura psytrance no Brasil, acreditaram no movimento, mas não esperavam que o estilo fosse sofrer o tal “boom” e transformar-se na maior cena eletrônica brasileira. As maiores festas, já no final da década de 90, uniam no máximo 2, 3 mil pessoas para celebrar a música, encontrar os amigos, sentir a vibração. O ano agora é 2008. Pirulitos na boca, eventos enormes para mais de 20 mil pessoas, mega-estrututas, top djs internacionais, superlotações, falta de água nos bares, divulgação em massa. Em que este cenário assemelha-se com o início da cena no Brasil? Quando e como o psytrance passou a ser incorporado no famoso vocabulário utilizado para designar aquilo que está na moda, que é cultura de massa, popular, faz sucesso e é principal dentro de seu estilo, o mainstream?Esse negócio de mainstream é algo recente, de 3 anos para cá. O auge do psytrance foi em 2005”, aponta Feio, dono da Xxxperience, a mais antiga festa bem sucedida da cena. Ele e seu sócio Rica Amaral cresceram junto com o estilo, e hoje sustentam suas famílias a partir desse ofício. São empresários da cena e continuam tocando o que gostam: psytrance. “Milton e Nena, das noites indoor Klatu Barada Nikto, organizaram a Daime Tribe, uma das primeiras raves do Brasil - até 2004 - e investiram em selos de trance psicodélico, sempre no âmbito underground. Dmitri, da Avonts (que se tornou Megavonts), entre uma sumida e outra, continua trabalhando com música eletrônica, tocando em algumas festas e levando projetos paralelos em parceria com algumas casas noturnas de São Paulo.Quem resolveu seguir outra trilha foi André Meyer. Quando começou a freqüentar festas pelo mundo, no início da década de 90, André presenciava tribos unidas e românticas, que viam no psytrance uma forma de se expressar, de se envolver com a natureza e de trocar experiências com os amigos. A paz, o amor, o respeito e a união eram a senha para fazer parte de uma dessas festas. O tatuador e body piercing vem de uma época em que não havia um mercado de compra e venda de músicas, em que mixava-se com um mixer simples e gravavam-se as produções em fitas estilo DAT (Digital Áudio Tape). Uma época roots do psytrance, quando, para se fazer intercâmbio de produções, as pessoas tinham que viajar, já que a internet ainda estava sendo implantada domesticamente e pouquíssimas pessoas a utilizavam. André conta que se afastou da cena porque sentiu que o romance em torno das festas e a essência tribal de outras partes do mundo foram sendo substituídas por pensamentos mais profissionais. Hoje ele vê a cena como entretenimento e realiza poucos eventos, mais ligados ao seu trabalho de tatuador.MainstreamCom o avanço da internet, a música eletrônica entrou de vez para o mercado, em um movimento crescente de disseminação nos lares, rádios e casas noturnas do país. O psytrance se destacou, pois suas festas uniam – e unem até hoje - o maior número de adeptos, atingindo o boom até entrar na cena mainstream. Para o dj e produtor Marcelo Decourt, mais conhecido no interior de São Paulo por Xoxeu, a cena evoluiu e melhorou em diversos aspectos: “Hoje em dia é tudo muito diferente, tanto no lado cultural quanto no próprio público. Antigamente era um público mais underground e hoje, literalmente, é uma fusão de tribos”. Essa fusão de tribos só foi possível graças à popularização da música eletrônica como um todo. “Hoje temos a possibilidade de mostrar o trabalho dos djs a um número cada vez maior de pessoas”, completa.Xoxeu não está sozinho nesse pensamento que, aliás, predomina entre djs, produtores e proprietários de festas: a maioria deles está contente, pois as festas se profissionalizaram, suas estruturas são cada vez maiores, e, claro, o mercado aumentou muito para quem vive disso.Hoje a gama de possibilidades é infinitamente maior para quem toca e produz, resultado do modo de se fazer psicodelia na década de 80, com computadores e sintetizadores. Na medida em que a tecnologia avança, chegam novos equipamentos ao mercado que agregam valor para a produção eletrônica.Mas nem todo mundo está feliz com a cena atual. Graziela Fragnito, 24 anos, não se conforma com o fato de faltar água em algumas festas: “se eles dizem que se profissionalizaram tanto, o que justifica a falta de água em algumas festas?”, questiona.O dj Feio aponta o oportunismo e o surgimento de organizadores despreparados como uma das causas de críticas e erros na cena. “Comecei a fazer festas porque gostava da música, mas hoje virou meu trabalho e meu meio de vida. Pago impostos como qualquer empresa”, afirma Feio, querendo dizer que hoje, é necessário sim que a profissionalização esteja acima de qualquer coisa, para impedir incidentes mais graves durante uma festa. Mas, e o que ficou para nós das primeiras festas?Wagner Lacerda, 28 anos, freqüentador de raves há 11, responde: “O espírito, tribal, ancestral, de confraternização e a aceitação mútua. É como antes de se entrar em um templo, no qual tem que se tirar os sapatos. Quando se entra em um dancefloor, deixa-se a arrogância, a soberba e a superioridade de fora. Essa é a essência e dela nada se altera”.Por falar em essência, os festivais aqui no Brasil têm conseguido preservar muito bem a idéia de confraternização com amigos. Um dos festivais mais aclamados mundialmente e o maior de reveillon, o Universo Paralello, apesar de ter crescido em números, tenta manter o espírito roots. Na penúltima edição, a organização do festival teve um problema de superlotação devido à quantidade de vips exagerada. No ano seguinte, a produção diminuiu o número de ingressos e limitou os vips, para preservar a qualidade do festival. “Tento sair fora desse circuito comercial e trazer uma cultura alternativa. Nosso festival é cultural e psicodélico e nasceu naturalmente, a partir da idéia de querermos confraternizar com os amigos. Me inspiro em festivais europeus de trance”, afirma Juarez Petrillo, um dos idealizadores do UP, e completa: “acredito que os festivais estejam conseguindo manter a essência do trance aqui no Brasil”, afirma o dj que atende pelo nome de Swarup.Lucro exacerbadoAs origens do trance estão ligadas ao estado de Goa, na Índia, cuja cultura é desprendida do dinheiro. Uma das maiores críticas em relação à cena atual recai exatamente sobre a substituição dessa essência pela indústria do trance, cada vez mais forte e que, claro, busca o lucro e outras coisas, como a diversão e o profissionalismo. Não podemos esquecer que o psytrance está inserido na indústria cultural, e, como tudo o que cai no gosto popular, sofre perdas, mas também obtém ganhos.Por essas e outras, fica a certeza de que, apesar da popularização, o público se torna cada vez mais exigente. Festas que não respeitam seu público perdem espaço para organizações cada vez mais profissionais. Não é a toa que fatos como mortes ocasionais de pessoas em raves chocam os freqüentadores e queimam a cena.E aí está um ponto delicado. O boom da cena ainda é recente, e, de certa maneira, ainda está à margem da sociedade em geral. Ou seja, dentro da cena eletrônica, o psytrance é (ainda) o estilo que mais agrada o público de festas open air. Mas, para a sociedade como um todo, qualquer música eletrônica ainda é muito underground para sua compreensão. Você nunca ouviu de uma vizinha a seguinte frase: “ai não agüento mais ouvir essa música techno...”. Grande parte da população credita o termo “techno” a qualquer estilo de música eletrônica, pois “é tudo igual”.Isso explica porque uma morte em uma rave chama mais atenção da mídia do que 10 mortes em um show de pagode. Por isso também que as pessoas devem se unir em prol do que acreditam, que é a música, e deixar o dinheiro vir naturalmente, a partir de um bom trabalho sério. Se a cena começa a se desestruturar por dentro, quem é de fora vai esculachar cada vez mais e julgar com preconceito. Nesse caso todos perdem. A cena deve crescer ordenadamente, no curso natural dela, já que, pelo visto, ainda ouviremos psytrance por um bom tempo. “É de se esperar que tão grandes novidades transformem toda a técnica das artes, agindo assim sobre a própria invenção e chegando mesmo, talvez, a maravilhosamente alterar a própria noção de arte”.PAUL VALÉRY – 1934 (filósofo, escritor e poeta francês).

Um comentário:

Unknown disse...

Linda entrevista que dei , envie essas 2 fotos que tirei . Sou o wagner lacerda e sinto saudade da essência do começo da cena trance no Brasil.